Torto arado - Itamar Vieira Junior

Torto arado (2018) é a história das irmãs Bibiana e Belonísia, filhas de uma família quilombola que vive há gerações como trabalhadora de um grande latifúndio no interior da Bahia, em situação análoga à escravidão. Em algum momento do século XX, ainda meninas, a união das irmãs é aprofundada quando, explorando os pertences da avó, ferem a língua com uma faca, e uma delas acaba perdendo a fala. Até a segunda parte do livro, não sabemos qual das duas foi, de modo que a própria escrita demonstra a proximidade entre elas, mesmo quando esse laço chega a ser doloroso ou quando seus caminhos se separam.

Nós acompanhamos o seu crescimento e amadurecimento, e vamos conhecendo também suas particularidades, afetos, desejos, resistência; a ligação direta com a terra, com a espiritualidade, com a comunidade, com o tempo, e com as inúmeras injustiças que enfrentam, interseccionais em raça, gênero, deficiência, espaço... A construção narrativa consegue atar todas essas coisas numa só, como são, com o fio delicado da ficção.

Já faz meses que li Torto arado e com certeza deixei de comentar algo importante, pois o livro tem muitos pontos a serem explorados e discutidos, como tem sido por muita gente, mas queria deixar registrado aqui como uma das leituras que me foram mais significativas nesse 2022. Além de uma boa história, é uma narrativa que dialoga com seu tempo e que me ensina muito sobre o fazer literário. E, como comentei em relação a O som do rugido da onça, de Micheliny Verunschk, esta também é uma obra importante para o resgate da memória coletiva de nossos brasis. 

 

Minha mão esquerda segura o livro Torto arado em frente a uma planta de folhagens verde escura com bordas verde claras. A capa é rosa clara com a ilustração de duas mulhers negras de mãos dadas, que seguram, na mão livre, uma folha de espada de São Jorge, semelhante à planta que aparece no fundo da foto.
 Foto: autoria própria.