um poema de abril/2022

“É do zero, no zero, que o verdadeiro movimento do ser começa.” 

- Kazimir Malevich


Entre luz e sombra
não há linha
entre o que chamam opostos
nenhuma concretude que os separe

Por isso o sfumato de Da Vinci
a indefinição entre as coisas a que atribuímos nomes diferentes
para inventar uma ordem ao mundo
quando as únicas bordas do mundo
são imaginárias
e o que há é o peso dos corpos
e seres imateriais
a força com que um atrai o outro
impedindo que tudo despenque no vazio
ou que algo rasgue o véu da realidade

A existência não é didática
feito números pares, molduras, ideais
É uma equação muito longa que chega a um resultado inexato
bolhas de sabão que pairam
até que a bolha da Terra as puxe para si
e a pressão refaça espuma
da superfície multicolorida

As sombras cavam um poço maior no centro dos olhos
ansiosos por tudo
era assim antes mesmo do quadrado preto
ou das paisagens impressionistas
(cuja falta de contornos
cria cores
fora da tela)

Antes mesmo do chiaroscuro
aproximar-se da própria existência é não saber
não entender
e mesmo assim ir ainda mais fundo

Feita para beber
a existência pura escapa
aos sentidos

Beatriz Teixeira, abril/2022.

 

Foto de faixas de luz e sombra de uma janela projetadas em uma parede. Contém a frase: “É do zero, no zero, que o verdadeiro movimento do ser começa.” Kazimir Malevich