Talvez você deva conversar com alguém - Lori Gottlieb

“Talvez você deva conversar com alguém” é o que a autora, Lori Gottlieb, terapeuta estadunidense, ouviu de uma amiga ao passar por um período difícil após um término de relacionamento na meia idade. Esse livro, publicado em 2019, aborda sua passagem pelo processo de terapia nessa época, entrelaçada ao relato de como ela mesma se tornou terapeuta e às histórias de alguns pacientes. 

Entre seus pacientes, há John, que inicialmente acha que todas as pessoas a seu redor são idiotas; Charlotte, que está em seus vinte e poucos anos e tem problemas com a família, e que a princípio tem um problema de alcoolismo sem se dar conta; Julie, que está tratando um câncer e começa a ter uma nova perspectiva da vida; Rita, que tem quase 70 anos e não tem mais vontade de viver, em constante culpa por todos os erros do passado. E há Lori, que tem dificuldade de se abrir totalmente para Wendell, seu terapeuta, e de admitir que seu sofrimento após o término tem significados mais profundos.

Foto do livro Talvez você deva conversar com alguém, que está sobre uma superfície de madeira rústica. A capa do livro é amarela, e contém a ilustração de uma caixa azul de lenços de papel, e de um lenço amassado mais ao canto superior direito.
Foto de autoria própria.
 

“Se você espera uma hora de um balançar de cabeça compreensivo, veio ao lugar errado. Os terapeutas serão solidários, mas nosso apoio é para o seu crescimento, não para sua opinião negativa sobre seu companheiro. (Nosso papel é entender a sua perspectiva, mas não necessariamente endossá-la.) Na terapia, o requisito é que você seja tanto responsável, quanto vulnerável. Em vez de encaminharmos a pessoa diretamente para o cerne do problema, cutucamos para que ela chegue lá sozinha, porque as verdades mais poderosas, aquelas que as pessoas levam mais a sério, são as que elas descobrem pouco a pouco, por conta própria. No contrato terapêutico está implícita a disposição do paciente para tolerar desconforto, porque, para que o processo funcione, é inevitável que haja algum desconforto.”
 
Lori também fala sobre casos mais pontuais, até mesmo que não deram certo, para mostrar uma maior realidade de sua profissão. Ela conta sua trajetória profissional tendo tido sempre como paixão as histórias, o que a levou primeiro ao trabalho com séries, passando pela faculdade de Medicina até finalmente se encontrar como terapeuta, ouvindo e tendo a oportunidade de se fazer um pouco presente nas histórias de pessoas reais. Mas também há partes de sua vida pessoal, sem a qual a narrativa seria incompleta, como sua jornada para se tornar mãe e para investigar um misterioso problema de saúde, e o desafio de escrever um livro que não queria, já com contrato assinado.

É uma leitura muito dinâmica por alternar entre essas diferentes histórias, que são contadas com grande vulnerabilidade e até mesmo humor, para além do viés profissional, o que a autora consegue se colocando não só como terapeuta mas também como paciente. 

“‘Não existe hierarquia na dor’. O sofrimento não deveria ser classificado, porque a dor não é um concurso. (...) Mas Wendell disse-me que, ao diminuir meus problemas, eu estava me julgando e julgando todos os outros cujos problemas eu havia rebaixado na hierarquia da dor. Não se pode superar o sofrimento diminuindo, ele me lembrou. Supera-se o sofrimento aceitando e descobrindo o que fazer com ele. Não se pode mudar o que é negado ou minimizado. E, logicamente, muitas vezes, preocupações que parecem ser triviais são manifestações de preocupações fundas.”
 
Assim, cada personagem, embora com suas narrativas particulares, está ligado aos outros pela humanidade em comum, por emoções que todos estamos passíveis de sentir, e pela coragem de se propor a aprender a lidar com elas. Esse processo também permitiu que eu sentisse muita empatia por todos eles, que ao mesmo tempo me emocionasse com suas histórias e que pudesse refletir sobre minha própria trajetória de autoconhecimento.

É um livro que me prendeu por todas as suas páginas. Eu indicaria para quem quer desenvolver mais seu autoconhecimento e para quem nunca fez terapia e deseja saber mais sobre (tendo consciência de que a autora atua no contexto estadunidense, e que as histórias do livro se concentram em pessoas de classe média, de modo que há diferenças para o contexto de cada leitor).

"’Quanto mais você acolhe sua vulnerabilidade’, Wendell dissera, ‘menos medo sente’".

Avaliação da leitura: 4,5/5

Algumas outras citações que grifei no livro:

"Como terapeuta, sei muito sobre dor, sobre as maneiras como a dor está ligada à perda. Mas também sei algo menos entendido normalmente: que a mudança e a perda andam juntas. Não podemos ter mudança sem perda, motivo pelo qual é tão frequente as pessoas dizerem que querem mudar, mas mesmo assim continuarem exatamente iguais."

"Todo mundo trava essa batalha interna em algum grau: Criança ou adulto? Segurança ou liberdade? Mas independentemente de onde as pessoas caiam nessa continuidade, toda decisão feita é baseada em duas coisas: medo e amor. A terapia luta para ensinar como diferenciar um do outro."

"Penso em como o fato de não saber é o que atormenta todos nós. Não saber por que seu namorado foi embora; não saber o que há de errado com seu corpo; não saber se você poderia ter salvado seu filho. A certa altura, todos nós temos de aceitar o desconhecido e o incompreensível. Às vezes, jamais saberemos o porquê."

"É claro que os terapeutas não são persuasivos. Não podemos convencer uma anoréxica a comer, um alcoólatra a não beber; não podemos convencer pessoas a não serem autodestrutivas, porque, no momento, a autodestruição lhes serve. O que podemos fazer é tentar ajudá-las a se entender melhor, e mostrar-lhes como fazer as perguntas certas a si mesmas, até que algo aconteça - interna ou externamente - e as leve a seu autoconvencimento."

"Compartilhar verdades difíceis traz um custo, a necessidade de encará-las, mas também há uma recompensa: a liberdade. A verdade nos liberta da vergonha."

"Certa vez, Wendell observou que, no curso das nossas vidas, falamos mais com nós mesmos do que jamais falaremos com qualquer outra pessoa, mas palavras nem sempre são gentis, sinceras ou úteis, nem mesmo respeitosas. Grande parte do que dizemos para nós mesmos nunca diríamos para pessoas que amamos ou com as quais nos preocupamos, como nossos amigos ou filhos. Na terapia, aprendemos a prestar muita atenção a essas vozes em nossas cabeças, de modo a podermos aprender uma maneira melhor de nos comunicarmos com nós mesmos."

"Os relacionamentos na vida não terminam de fato, mesmo que você nunca mais veja a pessoa. Cada um de quem você foi próximo continua vivo em algum lugar dentro de você. Seus antigos amores, seus pais, seus amigos, pessoas vivas e mortas (simbólica ou literalmente), todos eles evocam lembranças, conscientes ou não. Com frequência, eles influem em como você se relaciona consigo mesmo e com os outros. Às vezes, você conversa com eles em sua mente; às vezes, eles falam com você durante seu sono."

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