Canta o mar e chama os rios à liberdade
Penso nos versos do rio que teme entrar no mar. No poema, rio é ela. Ela vê todo o caminho que percorreu desde a nascente, as montanhas que moldaram o seu curso, as paisagens que regou e as comunidades que abasteceu. O mar é maior que tudo que ficou para trás, ela sente medo. Medo de que sua história seja engolida, apagada sob a superfície do desconhecido. Mas como aqueles que povoaram de sereias o imaginário, ela se deixa fluir para tornar-se a voz que entoa o canto do mar. Ela toda, oceano.
Por isso escreveu outro poeta:
“É tão difícil guardar um rio
quando ele corre
dentro de nós.”
Não só de futuro se salga o mar, toda a vida intempérie das ondas. Abrimos algum caminho nas montanhas, entretanto nos cerca o desconhecido, de qualquer tempo e espaço, no outro e em nós. Quando o medo desafia a gravidade se concretam barragens, traição do eu contra seus rios.
Eu porém já não os guardo, escorrem cascatas dentro de mim. O mar canta, canta. Fluo rios da terra e do ar, incorporo ciclos.
Desejo desaguar na coragem da existência.
Setembro de 2021,
Beatriz Teixeira.
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O poema do rio que teme entrar no mar é “Medo” de Gibran Khalil Gibran. E “O guarda-rios” é de Jorge Sousa Braga.