Leituras do primeiro semestre de 2021
Metade de mais um ano em pandemia já se foi e em meio ao caos que estamos vivendo no Brasil, esse primeiro semestre de 2021 também apresentou algumas variações em relação a outros anos em minhas leituras. Nesse post resolvi trazer algumas impressões gerais sobre os livros que li nesse tempo.
No início do ano, li bem menos do que geralmente leio nesse período, quando costumo ter mais tempo livre, acho que muito porque eu não estava conseguindo me concentrar o suficiente. Assim, sinto que mesmo os livros que consegui ler na época terei que reler um dia, principalmente A Insustentável Leveza do Ser. Tanto esse quanto Reparação eram livros que estavam na minha lista havia um tempo e que justamente no dia do meu aniversário, nos primeiros dias do ano, achei por um preço ótimo em uma feira de livros. Depois desses primeiros meses mais difíceis, as coisas voltaram um pouco mais ao “normal” e comecei a retomar meu ritmo de leitura conciliando com a vida.
Como resultado, estas foram as leituras que completei nesse primeiro semestre de 2021:
Budapeste, Chico Buarque
Budapeste é um romance bastante metalinguístico, pois o personagem principal é um ghostwriter, um escritor que vende seus serviços. Além disso, numa visita a Budapeste, na Hungria, ele se apaixona pelo húngaro e por uma professora do idioma, e a partir daí ele se divide entre sua língua materna, o português, e o húngaro, sua esposa brasileira e sua amante húngara, além de outros contrastes. Há um aspecto desse romance que lembra outro dessa lista, e que foi um dos que mais gostei na obra.
A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera
Esse é um dos livros que eu precisarei reler porque na época não estava conseguindo me concentrar o suficiente. É uma obra sobre várias faces do amor e da natureza humana, que perpassa a vida de quatro personagens que se interconectam, Tereza, Tomas, Sabina e Franz. Só posso dizer que mesmo não tendo absorvido tanto quanto eu gostaria da obra, me emocionei muito com um dos trechos finais.
Reparação, Ian McEwan
O gatilho da narrativa de Reparação se concentra num trecho que comentei nesse post no Instagram, trecho que é por si só uma dose de Literatura primorosa. Considero como personagem principal Briony, que inicia a história na fase da pré-adolescência, cuja percepção influencia todo o enredo depois de observar algumas cenas entre sua irmã mais velha, Cecilia, uma jovem universitária e o amigo de infância delas, Robbie, também universitário.
Eu queria ler Reparação desde que vi o filme, cujo título no Brasil é Desejo e Reparação, sem saber que era baseado na obra de McEwan. Eu gostaria muito de ter lido primeiro porque, embora o caso dessa adaptação seja positivo, já que pelo que me lembro o filme é condizente em qualidade, existem surpresas na história que são reservadas ao primeiro contato. De qualquer forma foi uma boa experiência, só pelo trecho que citei já indico. Inclusive gostaria de rever o filme porque recentemente estava vendo um vídeo sobre a trilha sonora utilizada e fiquei encantada.
Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, Maya Angelou
Essa é a primeira autobiografia de Maya Angelou, na qual a autora conta sua infância e adolescência como menina negra nos Estados Unidos das décadas de 1930 e 1940. Foi um livro que li mais ou menos ao mesmo tempo com uma amiga, então fui avançando aos poucos, o que é inclusive recomendado no prefácio de Djamila Ribeiro. Nesse trecho da história de Angelou, conhecemos seu crescimento, o amor pelo irmão, a inteligência, a paixão pelos livros, a estranheza de tornar-se mulher, assim como o racismo, o machismo, os abusos e os conflitos familiares.
Essa foi uma leitura importante dentro de algumas reflexões que tenho feito como leitora e sobre as quais escrevi no post As histórias que não li: 'o perigo de uma única história' na Literatura. No Instagram também postei a tradução do poema “Compaixão”, de Paul Laurence Dunbar, que inspirou o título da obra.
Foto: autora.
As mulheres de Tijucopapo, Marilene Felinto
Essa obra da Marilene Felinto é escrita em fluxo de consciência em torno da personagem Rísia, que resolve voltar de São Paulo para sua origem, a cidade fictícia de Tijucopapo, baseada na cidade real Tejucupapo de Pernambuco. De novo, é uma leitura que eu poderia ter aproveitado melhor mas que deixou seu impacto.
A Revolução, Cayo César Santos
Esse é o terceiro livro da trilogia Século I, baseada na época da vida de Jesus e do início do Cristianismo. Os livros são protagonizados pelo personagem Samuel, que aparece como sendo o judeu que foi ajudado por um samaritano depois de ser assaltado e deixado à beira de uma estrada, referentes à parábola do bom samaritano contada por Jesus como exemplo de amor ao próximo. O autor dá vida ao personagem levando-o em uma jornada que passa por diversos outros acontecimentos do Novo Testamento. Li os dois livros anteriores ano passado, e no total foi uma leitura interessante por sua premissa, embora tenha esperado um tempo para ler o último porque achei a escrita um pouco repetitiva.
La última niebla, María Luisa Bombal
Essa é uma novela de María Luisa Bombal, a primeira escrita pela autora, minha primeira leitura integral em espanhol. Trata-se da história de uma mulher que se casou com o primo apenas por conveniência e acaba se apaixonando por outro homem. Embora seja um núcleo simples, a névoa que aparece nos cenários da história também se estende aos sentimentos e pensamentos da personagem. Embora grande parte do vocabulário tenha sido novo para mim, fui envolvida pela narrativa, e há um certo tom de busca por liberdade que me lembra até mesmo Perto do coração selvagem, do qual falarei mais adiante. Espero ler mais da autora no futuro.
Conheci a novela através do instagram da página Un País Lector, e deixo aqui o artigo deles sobre a obra: Por qué leer la última niebla.
Tudo que já nadei, Letrux
Ganhei esse lançamento de uma amiga e comecei a ler quase que imediatamente porque a temática sempre me atrai muito, que é basicamente o mar. Todo o livro é como um manifesto de amor ao mar e saudade do mar durante a pandemia em forma de crônicas e poemas. É muito doido ler sobre a pandemia já impresso num livro, e juntando isso a meu amor pelo mar posso dizer que me senti representada. Enquanto lia, quase que pude sentir o cheiro e o gosto de mar me transportando para mais perto dele.
Crônicas comestíveis, Thalyse Santana
Esse e-book é um projeto da página @abacaxi.mental que, como o título sugere, visa alimentar pessoas, literal e subjetivamente. As crônicas poéticas presentes no livro são um chamado para saborear cada momento da vida, tanto através das palavras quanto das ilustrações maravilhosas que as acompanham. Além disso, todo o valor arrecadado com a venda do livro é direcionado para a compra de cestas básicas para quem precisa (você pode adquirir o livro através do link no perfil do @abacaxi.mental).
Foi uma leitura muito aconchegante e reflexiva, além de ser uma experiência estética muito bela.
Perto do coração selvagem, Clarice Lispector
Perto do coração selvagem é o primeiro romance de Clarice Lispector, publicado em 1943, quando a autora completava 23 anos. Ele entrou para minha lista ano passado, quando comecei a refletir sobre uma das citações da autora que mais vejo circulando nas redes: “Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome” e senti necessidade de conhecer o contexto em que foram escritas. Escrevi sobre como essa liberdade aparece na obra no post A liberdade em Perto do coração selvagem, de Clarice Lispector.
Trazendo um trecho do post, “o centro da obra é o interior da personagem Joana, em diferentes momentos de sua vida, infância, adolescência e fase adulta. Embora acompanhemos os acontecimentos que a envolvem, desde a primeira página seus pensamentos e emoções são os protagonistas, pelos quais Clarice nos leva através do fluxo de consciência. A partir dessa subjetividade que é a experiência de ser de Joana, múltiplas reflexões podem ser destrinchadas das palavras que a autora utilizou tão intimamente.”
Creio que assim como outros livros de Clarice esse também precisará ser relido ao longo da vida, com muito prazer.
Ideias para adiar o fim do mundo, Ailton Krenak
Ideias para adiar o fim do mundo é a compilação de algumas falas de Ailton Krenak em conferências e numa entrevista. Nelas, o autor causa principalmente uma provocação para pensar o que é humanidade, sua relação com o meio ambiente e o Antropoceno. Gosto muito de ouvir Krenak falar sobre esses temas, e não foi diferente com a leitura, que é o tipo de livro para o qual voltar de vez em quando. Além disso, o autor tem sido uma fonte de conhecimento de outros autores indígenas brasileiros que estou colocando na minha lista para ler no futuro.
O avesso da pele, Jeferson Tenório
Essa foi a última leitura que
completei no primeiro semestre de 2021, e a minha preferida do ano
até aqui também. A narrativa é uma reconstrução da história
familiar de Pedro, o narrador, que escreve como se conversasse com o
pai, Henrique, que foi assassinado em uma abordagem policial. Assim,
parte do livro é escrito em segunda pessoa, à medida que Pedro
recompõe as histórias do pai e da mãe, de seus relacionamentos, de
seu próprio nascimento. Essas vidas que se entrelaçam, contidas em
corpos negros, são atravessadas pelo racismo em diversas de suas
nuances e violências, inclusive a que mata Henrique aos cinquenta e
poucos anos. Henrique era professor de Português e sua dedicação e
paixão pela Literatura reverbera na obra, assim como o valor da
Educação.
Como leitora, acredito que a narrativa em segunda
pessoa me atraiu ainda mais para a história, pois ressoa um tom
intimista com que podemos sentir de forma muito latente a ligação
do filho com o pai, e um pouco da voz e da vivência do pai através
do filho. Além disso, a naturalidade com que o narrador alterna
diferentes períodos de tempo faz com que a leitura seja bem fluida,
ao mesmo tempo em que cada capítulo traz novas revoltas e
reviravoltas a partir da vida pessoal das personagens.
Admito que por enquanto acho que nenhuma leitura desse ano entrou para minha lista de livros da vida, embora eu tenha gostado de todos e muitos sejam marcos importantes na minha experiência como leitora. Talvez eu ainda precise escrever sobre a última obra que me impactou dessa forma, lida no finalzinho de 2020, para abrir espaço para outras.
Falando em escrever, também estou muito feliz por ter voltado a escrever aqui e a postar no Instagram do blog (@das_palavras) com regularidade, porque é algo que gosto muito de fazer e de que senti falta nos últimos anos, além de me ajudar a aproveitar melhor cada leitura. Uma coisa que eu sempre fazia era esse tipo de post e era sempre um momento muito bom de relembrar cada obra, como foi escrever essas impressões.
Que o próximo semestre nos traga mais algumas ótimas leituras (e vacinação para geral, por favor)!