Frêmito
Frêmito (ou O pássaro bukowskiano no meu peito que quer sair)
Estou à espera
no átrio.
“Átrio” soa como vazio,
silêncio-eco.
Bem, aqui não é assim.
Aqui dentro
é um tambor cheio de vozes
e a todo momento
sou coberto de sangue.
“Sangue” soa vermelho metálico.
Também não é sempre assim.
Sangue pode ser
As cores que a chuva deixa escoando numa valeta
ou
O gosto branco de onda que quebrou
ou
A luz daquela hora do dia em que moram as entrelinhas da humanidade
ou
O vapor de todas as lembranças.
Estou à espera
no átrio,
e, por vezes,
quando o confinamento é insuportável,
protesto, cantando.
Eu salto até a garganta e abro caminho pelas esquinas da mente e bato as asas contra o útero.
Canto obstinadamente
em todos os espaços
onde corre
o sangue.
Porque pode ser hoje um daqueles dias
em que ela vai me deixar sair,
em que eu vou voar rente à pele,
rasgá-la,
e deixar sangrar
as cores,
o gosto,
a luz
e o vapor.
Beatriz Teixeira, abril/2020.